O hieróglifo para Juntar
brilhava
Pedaços quebrados de cerâmica
voaram e se emendaram. Livros foram devolvidos
à prateleira. As máscaras do Rei
Tut voaram dos pinguins, revelando que eles eram surpresa –
pingüins.
Nossos amigos pareciam bastantes
envergonhados.
“Desculpe”, Walt murmurou,
colocando as jóias de volta. “Ficamos entediados.”
Eu não poderia ficar brava com
Walt. Ele era alto e atlético, forte como um jogador de basquete, com calças de
treino e camisetas sem mangas que exibia seus braços esculpidos.Sua pele era da
cor de chocolate quente, com o rosto tão suntuoso e belo, como as estátuas dos
seus antepassados faraó.
JD Grissom olhou para nossa
equipe. “Prazer em conhecer todos vocês.” Ele conseguiu conter seu entusiasmo.
“Venham comigo”.
O salão principal do museu era
uma grande sala branca, com mesas enormes de café vazias, um palco e um teto
alto o suficiente para se ter uma girafa de estimação. De um lado, escadas que
levavam até uma sacada com um corredor de escritórios. Do outro lado, paredes de
vidro permitiam que se admirasse o horizonte noturno de Dallas.
JD apontou para a sacada, onde
dois homens com vestes de linho preto faziam a patrulha. “Você vê? Os guardas
estão em toda parte.”
Os homens tinham seus cajados e
varinhas preparadas. Eles olharam para nós, e eu pude perceber que seus olhos
estavam brilhando. Hieróglifos foram pintados em suas maçãs do rosto, como
pintura de guerra.
Alyssa sussurrou para mim: “O
que aconteceu com os olhos deles?”
“Vigilância mágica,” eu supus,
“Os símbolos permitem que os guardas vejam o Duar.”
Alyssa mordeu o lábio. Como a
sua deusa patrona era a deusa Geb, ela gostava de coisas mais sólidas, como
pedra e barro. Ela não gostava de altura ou águas profundas. E definitivamente,
ela não gostava da idéia do Duat – a região mágica que coexistia com a
nossa.
Uma vez, quando eu descrevi o
Duat como um oceano embaixo de nossos pés, com infinitas camadas e camadas de
dimensões mágicas uma embaixo da outra, eu achei que Alyssa ia ter um daqueles
enjôos de mar.
Felix, de dez anos de idade, por
outro lado, não tinha essas vertigens.
“Legal!” ele disse. “Eu quero
olhos brilhantes.”
Ele usou o dedo para tracear
pela sua bochecha, fazendo um borrão roxo brilhando no formato da
Antártica.
Alyssa riu. “Você pode ver o
Duat agora?”
“Não,” ele admitiu. “Mas eu
consigo ver bem melhor meus pinguins.”
“Nós devemos nos apressar,”
Carter nos lembrou. “Apófis normalmente ataca quando a lua está no topo de sua
trajetória. Que é –”
“Agh!” Khufu levantou todos os
seus dez dedos. Deixe para um babuíno ter ótimos sensos
astrnômicos.
“Em dez minutos,” Eu disse.
“Simplesmente brilhante.”
Nós nos aproximamos da entrada
da exibição do Rei Tut, e não dava para errar por causa do símbolo dourado
gigante que dizia EXIBIÇÃO DO REI TUT. Dois magos estavam de guarda, com
leopardos adultos na coleira.
Carter olhou para JB admirado.
“Como você conseguiu acesso complete ao museu?”
O texano encolheu os ombros.
“Minha esposa, Anne, é presidente do conselho. Agora, que artefato vocês querem
ver?”
“Eu estudei seus mapas em
exibição,” Carter disse. “Vamos. Vou mostrar a vocês”.
Os leopardos pareciam bem
interessados nos pingüins de Felix, mas os guardas os mantiveram afastados e nos
deixaram passar.
Lá dentro a exibição era enorme,
mas duvido que você se importa com os detalhes. Um labirinto de salas com
sarcófagos, estátuas, mobília, punhados de jóias de ouro – blá, blá, blá. Eu
teria passado batido por tudo isso. Já tinha visto coleções egípcias o
suficiente para várias vidas, muito obrigada.
Além disso, para todo lugar que
eu olhava, eu me lembrava de experiências ruins. Passamos cápsulas de figuras
shabti, sem dúvida encantadas para ganharem vida quando chamados. Já matei minha
cota dessas coisas. Passamos por estátuas de monstros brilhantes e deuses com
quem eu já tinha lutado frente a frente – a abutre Nekhbet, que já tinha
possuído minha avó (uma longa história); o crocodilo Sobek, que tentou matar
minha gata (uma história maior ainda); e a deusa leoa Sekhmet, contra quem
vencemos com molho de pimenta (nem pergunte).
E o mais triste de todos os
itens: uma pequena estátua de alabastro de nosso amigo Bes, o deus anão. A
escultura tinha éons de idade, mas reconheci seu nariz de barro, suas costeletas
grossas, a barriga de cerveja, e o rosto adoravelmente feio que parecia ter sido
repetidamente acertado por uma frigideira. Só tínhamos conhecido Bes por alguns
dias, mas ele literalmente tinha sacrificado sua alma para nos ajudar. Agora,
toda vez que eu o via, lembrava de uma dívida que nunca poderia
pagar.
Devo ter ficado olhando para a
estátua por mais tempo que percebi. O resto do grupo tinha me passado e estavam
virando para dentro da próxima sala, quase vinte metros à frente, quando uma voz
perto de mim disse “Psst!”
Eu olhei ao redor. Achei que a
estátua de Bes tinha falado. Então a voz chamou de novo “Ei, boneca. Escute. Não
há muito tempo.”
No meio da parede, ao nível dos
meus olhos, estava o rosto de um homem escavado na textura branca, como se
estivesse tentando fugir. Ele tinha um nariz pontudo, lábios cruelmente finos e
uma testa grande. Mesmo ele sendo da mesma cor da parede, pareceria estar bem
vivo. Seus olhos brancos e vazios tentavam transmitir um olhar de
impaciência.
“Você não vai salvar o
pergaminho, boneca,” ele avisou. “Mesmo se conseguisse, nunca o entenderia. Você
precisa da minha ajuda.”
Eu já tinha presenciado muitas
coisas estranhas desde que tinha começado a praticar magia, então não fiquei
particularmente assustada. Mesmo assim, eu sabia que não devia confiar em uma
velha aparição de massa corrida branca que falava comigo, especialmente uma que
me chamava de boneca. Ele me lembrava um personagem daqueles filmes idiotas de
Máfia que os garotos da casa no Brooklyn gostavam de assistir no tempo livre –
deve ser o tio Vinnie de alguém.
“Quem é você?”
Exigi.
O homem bufou.
“Como se você não soubesse. Como
se houvesse alguém que não saiba. Você tem dois dias até eles me derrotarem. Se
quer derrotar Apófis, é melhor puxar umas cordas e me tirar daqui.”
“Não tenho ideia do que está
falando,” eu disse.
O homem não soava como Set, o
deus demoníaco, ou a serpente Apófis, ou outros vilões que eu já tinha duelado
antes, mas nunca se pode ter certeza. Havia essa coisa chamada magia, no
fim das contas.
O homem projetou seu queixo.
“Certo, entendi. Você quer uma amostra de confiança. Você nunca salvará o
pergaminho, mas vá atrás da caixa dourada. Ela vai te dar uma pista do que
precisa, se for esperta o bastante para entendê-la. Depois de amanhã no
pôr-do-sol, boneca. Então minha oferta expira, porque é quando eu fico
permanentemente…”
Ele engasgou. Seus olhos se
esbugalharam. Ele ficou tenso, como se um laço estivesse apertando seu pescoço.
Ele lentamente desapareceu da parede.
“Sadie?” Walt chamou do fim do
corredor. “Tudo bem aí?”
Olhei para ele. “Você viu
isso?”
“Vi o quê?” ele
perguntou.
Claro que não, pensei. Que graça
teria se outras pessoas vissem minha visão do tio Vinnie? Então não consegui
evitar o pensamento de que estava ficando completamente maluca.
“Nada,” eu disse, e corri para
alcançá-los.
…
A entrada para a próxima sala
era guardada por duas esfinges gigantes de obsidiana com corpos de leão e
cabeças de carneiro. Carter disse que esse tipo particular de esfinge é chamada
de crioesfinge. [Valeu, Carter. Estávamos todos morrendo de vontade de saber um
pouco de informação inútil.]
“Agh!” Khufu avisou, erguendo
cinco dedos.
“Cinco minutos restantes” Carter
traduziu.
“Esperem um pouco,” JD disse.
“Essa sala tem os feitiços protetores mais fortes. Vou precisar modificá-los
para vocês passarem.”
“Hã,” eu disse nervosamente,
“mas os feitiços ainda vão evitar inimigos, como cobras gigantes do Caos, não
é?”
JD me deu um olhar exasperado,
do tipo que recebo com mais freqüência do que gostaria.
“Eu SEI uma coisa ou duas sobre
magia protetora,” ele prometeu. “Confiem em mim.” Ele ergueu a varinha e começou
oencantamento.
Carter me puxou para seu lado.
“Você está bem?”
Eu devia estar com a aparência
abalada depois do meu encontro com tio Vinnie.
“Estou bem,” eu disse. “Vi uma
coisa lá atrás. Provavelmente só um dos truques de Apófis, mas…”
Meus olhos se moveram para o
outro fim do corredor. Walt estava olhando um trono dourado em uma cápsula de
vidro. Ele deu alguns passos para frente e colocou uma mão no vidro como se
estivesse doente.
“Espera aí,” eu disse a
Carter.
Fui para o lado de Walt. A luz
da exibição banhava seu rosto, transformando suas feições em marrom avermelhado,
como os morros do Egito.
“O que foi?”
perguntei.
“Tutancâmon morreu nessa
cadeira,” ele disse.
Olhei para a placa. Não dizia
nada sobre Tut ter morrido na cadeira, mas Walt pareceu ter certeza absoluta.
Talvez ele pudesse sentir a maldição da família. O rei Tut foi o tio-avô de Walt
há um bilhão de anos, e o mesmo veneno genético que matou Tut aos dezenove agora
estava correndo no sangue de Walt, ficando mais forte quanto mais ele praticava
magia. Mesmo assim, Walt se recusava a se controlar mais. Olhando para o trono
de seu ancestral, ele deve ter sentido como se estivesse lendo seu próprio
obituário.
“Vamos encontrar uma cura,”
prometi. “Assim que derrotarmos Apófis…”
Ele olhou para mim, e minha voz
falhou. Nós dois sabíamos que nossas chances de derrotar Apófis eram mínimas.
Mesmo se vencêssemos, não havia garantia de que Walt viveria o bastante para que
ele celebrasse a vitória. Hoje era um dos dias ‘bons’ de Walt, e mesmo assim, eu
conseguia ver a dor em seus olhos.
“Pessoal,” Carter chamou.
“Estamos prontos.”
…
A sala após as crioesfinges era
uma compilação do que faz mais sucesso de pós vida no Egito. Um Anúbis de
madeira em tamanho real olhava para baixo de seu pedestal. Em cima das balanças
da justiça estava um babuíno de ouro, e Khofu imediatamente começou a flertar
com o objeto. Havia máscaras de faraós, mapas para o Mundo Inferior e vários
vasos canópicos, que já foram recheados de órgãos de múmias. Carter
simplesmente passou por tudo isso. Ele nos reuniu em torno de um longo rolo de
papiro, numa caixa de vidro na parece dos fundos.
“É atrás disso que você está?”
JD franziu a testa. “O Livro para Superar Apófis? Você sabe que nem mesmo os
melhores feitiços contra Apófis costumam ser eficientes.”
Carter enfiou a mão no bolso e
dele tirou um pedaço de papiro chamuscado. “Isso foi tudo que conseguimos salvar
em Toronto. Era uma outra cópia do mesmo pergaminho.”
JD pegou o pequeno pedaço do
papiro. Não era maior que um cartão postal e estava tão carbonizado que só
conseguiríamos extrair dele alguns poucos hieróglifos.
“ ‘Superando Apófis . . .’ ” ele
leu. “Mas isso é um dos mais comuns detre os pergaminhos magicos. Milhares de
cópias sobreviveram desde os tempos antigos.”
“Não.” Eu lutei contra vontade
imediata de olhar sobre o meu ombro, para o caso de alguma serpente gigante
estar ouvindo. “Apofis está atrás de uma versão em particular, escrita por esse
carinha.”
Eu dei batidinhas na placa de
informação próxima a exibição do item. “ ‘Atribuído ao Príncipe Khaemwaset’ ” eu
li “ ‘mais conhecido como Setne’ ”
JD fez uma careta. “Esse é um
nome maligno… um dos maiores magos vilanescos que já viveu.”
“É o que nós ouvimos,” Eu disse,
“e Apófis só está destruindo a versão de Setne do pergaminho. Até onde eu sei,
existiam somente seis cópias. Apófis já queimou cinco. Essa é a última que
existe.”
JD estudou o pedaço queimado de
papiro cheio de dúvidas. “Se o Apófis se ergueu do Duat, com todo o seu poder,
porque ele ligaria para alguns pergaminhos? Nenhum feitiço poderia impedi-lo.
Por que ele ainda não destruiu o mundo?”
Nós estávamos fazendo essa mesma
pergunta há meses.
“Apófis tem medo desse
pergaminho” Eu disse, esperando estar certa. “Alguma coisa nele deve reveler o
segredo para derrotá-lo. Ele quer ter certeza que todas as cópias serão
destruídas antes de invadir o mundo.”
“Sadie, precisamos nos
apressar,” Carter disse. “O ataque pode começar a qualquer
momento.”
Eu me posicionei mais perto do
pergaminho. Tinha irregularmente dois metros de largura e meio metro de altura,
com linhas densas de hieróglifos e ilustrações coloridas. Eu já vi vários
pergaminhos como esse descrevendo maneiras de derrotar o Caos, com cânticos
criados para evitar que a serpente Apófis devore o deus do sol Ra em sua jornada
noturna ao Duat. Os antigos egípcios eram bem obcecados com esse assunto. Um
grupo alegre, esses Egípcios.
Eu podia ler os hieróglifos – um
dos meus muitos talentos fantásticos – mas o pergaminho tinha muita informação
para se absorver. A primera vista, nada chamou minha atenção como algo em
particular que fosse ajudar. Ali estava a mesma descrição do Rio da Noite, pelo
qual o barco de sol do Ra navegava. Já estive lá, obrigada.
Havia dicas sobre como lidar com
vários demônios no Duat. Encontrei com eles. Matei eles. Tenho até
camisa.
“Sadie?” Carter perguntou.
“Alguma coisa?”
“Não sei ainda,” Eu resmunguei.
“Me dá um tempinho.”
Eu acho muito irritante que o
meu irmão que gosta de livros é o mago de combate, enquanto esperam que eu seja
uma grande leitora de magia. Eu mal tenho paciência para revistas, quando mais
para pergaminhos mofados.
Você nunca vai entender isso, a
face na parede havia avisado. Você precisará de minha ajuda.
“Nós precisamos levá-lo
conosco,” Decidi. “Tenho certeza de que posso descobrir algo com um pouco mais
de – ”
O prédio tremeu. Khofu berrou e
pulou nos braços do babuíno de ouro.
Os pinguins de Felix andavam de
um lado para o outro freneticamente.
“Esse é o som de—” JD Grissom
ficou pálido. “Uma explosão lá fora. A festa!”
“É uma distração,” Carter
avisou. “Apófis está tentando afastar nossas defesas do
pergaminho.”
“Eles estão atacando meus
amigos,” JD sdisse com uma voz falha. “Minha esposa.”
“Vai!” Eu disse. Eu encarei meu
irmão. “Nós cuidamos do pergaminho. A esposa do JD está em perigo!”
JD apertou minhas mãos. “Leve o
pergaminho. Boa Sorte.”
Ele correu para for a da
sala.
Eu voltei minhas atenções para a
área de exibição do pergaminho. “Walt, você pode abrir a caixa? Nós precisamos
tirar isso daqui e rápido – ”
Uma risada maligna tomou conta
da sala. Uma voz seca e pesada, profunda como uma explosão nuclear ecoou a nossa
volta: “Eu acho que não, Sadie Kane.”
Minha pele parecia que estava se
transformando em um frágil papiro. Eu lembrava daquela voz. Eu lembrava como era
estar tão perto co Caos, como se meu sangue estivesse pegando fogo, e como se a
estrutura do meu DNA estivesse desmontando.
“Eu acho que vou destruí-la com
os guardiões do Ma’at,” Apófis disse. “É, isso vai ser divertido.”
Na entrada da sala, as duas
crioesfinges de obsidiana se viraram. Elas bloquearam a saída, permanecendo
ombro a ombro. Fogo saía de suas narinas.
Com a voz de Apófis, elas
disseram em um só som: “Ninguém sai desse lugar vivo. Adeus, Sadie Kane.''